Ele estava cochilando no alto de uma colina verdejante, recostado numa das árvores de um pequeno bosque. Era de tarde, ele havia feito uma frugal (mas gostosa) refeição e decidira apreciar alguns momentos de descanso à sombra da árvore mais frondosa dali.
Dormia a sono solto quando começou a sentir o rosto arder: um dos fortes raios de sol vencera o bloqueio dos galhos da árvore e deitara luz e calor no rosto do rapaz, como que para deliberadamente provocá-lo e fazê-lo acordar. Ele então espreguiçou-se, sorrindo, pois, ainda que tivesse sido acordado (e detestasse sê-lo), a tarde seguia tão agradavelmente quente e aconchegante que era mesmo um crime continuar dormindo e perder o espetáculo que se punha ante de si. O sol ao alto deitava um brilho belo demais sobre a grama que cobria a colina, como se fosse recoberta não pela vegetação, mas por esmeraldas, pois pareciam cintilar à luz ao alto.
Ele se levantou e pôs-se a caminhar lentamente ao redor do bosque, circundando o cume da colina, sentindo a grama afagar seus pés descalços. A única coisa que quebrava o silêncio e quietude do bucólico lugar era a fúria de um rio, estreito, mas bravo, que corria ao pé da colina e que o separava de outra semelhante a esta, na qual se encontrava. O encontro de todos esses elementos compunha um magnífico cenário: as colinas verdes separadas pelo rio sob o sol da tarde. "Só podia ser o nome de um quadro mesmo!". Rindo de si mesmo, por tal pensamento, sacou uma maçã de sua bolsa e pôs-se a desfrutá-la sentando-se numa pedra, que se oferecia como uma poltrona para que apreciasse toda aquela beleza.
E então ele sentiu aquele reluzir que o acordara novamente! Olhou para o alto, mas não notou diferença no sol. Foi quando percebeu alguém do outro lado do rio, desviando os reflexos dourados para seu rosto. Protegendo os olhos da luz, mirou quem o perturbava e, antes que perdesse a paciência, imobilizou sua língua: havia, na outra colina, uma mulher que parecia se fundir com o próprio cenário: seus cabelos eram feitos dos próprios raios de sol que banhavam o lugar; seus olhos, de esmeraldas, colhidas daquele chão brilhante! Sorria-lhe e seu sorriso parecia emanar mil felicidades!
Ele não se conteve e lhe devolveu o sorriso, bobamente. Levantou-se de onde estava e tentou lhe lançar palavra, a qual era prontamente abafada pelo forte barulho do rio. Intrigado, mas determinado a conhece-la , ele pôs-se a descer de onde estava, indo em direção à beleza que vira.
Já havia posto os pés no rio, pronto para vencê-lo, quando percebeu que o sorriso que ela lhe lançara havia se transformado num rosto de inigualável tristeza e preocupação: ele voltou, então, sua atenção à correnteza e percebeu que sua força certamente o levaria se tentasse atravessá-la sozinho, por maior que fosse sua vontade e determinação de alcança-la. Ele tornou a olhar, em crescente agonia, por algum galho, alguma árvore que pudesse ajuda-lo na travessia! Qualquer coisa já bastaria, para que pudesse tocar a alvura daquela pele, envolve-la em seus braços e fazer cessar essas rugas que desatavam a preencher seu rosto! Mas não havia nada. Estava por si só. E, tendo percebido sua incapacidade de cruzar o rio, viu também que ela se encontrava presa, acuada pela força daquelas águas. Redobrou, pois, a procura em sua mente de qualquer coisa que pudesse ajuda-la, salva-la do cárcere no qual estava e trazê-la à liberdade ao lado dele!
Foi então que lhe ocorreu que ninguém sozinho conseguiria cruzar aquela correnteza! Seria desmedida tolice! E, com um sorrisinho irônico no canto de seus lábios, ele percebeu o que precisaria fazer para alcança-la: bastava estender sua mão, agarrar a dela do outro lado e trazê-la para si, para então fazê-la feliz!
Assim, com franco sorriso, estendeu a mão. Bastava agora que ela queresse.